‘Abin paralela’ espionou delegado do caso Marielle Franco
Documentos foram recuperados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e estavam no sistema usado por funcionários na sede da Agência Brasileira de Inteligência.
A Polícia Federal (PF) está conduzindo uma investigação para verificar se a estrutura da chamada “Abin paralela” durante o governo de Jair Bolsonaro realizou monitoramento sobre o desenvolvimento das investigações relacionadas ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).
Além do currículo da promotora de Justiça do Rio de Janeiro, Simone Sibilio, que estava encarregada das apurações do atentado, membros do órgão teriam impresso arquivos vinculados ao caso no período compreendido entre 2019 e 2021.
Registros analisados pela PF e recuperados pela Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que o policial federal Marcelo Bormevet, nomeado na Abin durante a gestão de Alexandre Ramagem (2019-2022), imprimiu em setembro de 2020 um relatório sobre o delegado Daniel Rosa, que, à época, conduzia a investigação do assassinato de Marielle, em 2018.
O delegado foi afastado do caso no mesmo mês. A sua saída foi determinada pelo então novo secretário da Polícia Civil do Rio, Allan Turnowski, que mudou a estrutura da delegacia que cuidava da investigação do assassinato da vereadora do Rio.
Em junho de 2021, outro policial federal cedido à Abin durante a gestão de Ramagem imprimiu um documento relacionado à federalização do caso Marielle. Em setembro de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou um pedido para que as investigações do caso fossem conduzidas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal. O pedido foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça em maio de 2020.
À época do documento impresso, Felipe Arlotta cumpria missões na Abin sob o comando de Ramagem. Um dos episódios em que, segundo a PF, essa estrutura informal foi usada envolve a tentativa de tirar Renan Bolsonaro, filho de Bolsonaro, da mira de uma investigação que apurava tráfico de influência no governo — caso posteriormente arquivado. A ação de espionagem foi flagrada pela Polícia Militar do Distrito Federal. Ao prestar esclarecimentos à PF, um agente da Abin que fez o trabalho de campo disse ter recebido a missão de Arlotta.
Durante a investigação da chamada “Abin paralela”, a Polícia Federal descobriu indícios de que Arlotta também teria monitorado um jantar do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em 2019, “sob as ordens de Alexandre Ramagem”. Além disso, a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) indicam que Ramagem próprio teria impresso “algumas anotações sobre a investigação em curso” do caso Marielle em dezembro de 2019.
Isso ocorreu dois meses após a impressão, na Abin, de um resumo do currículo de Simone Sibilio, que coordenava o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e participou da força-tarefa do inquérito sobre o assassinato da parlamentar. Procurados, Ramagem, Arlotta e Bormevet não responderam.
Na semana passada, questionado sobre a impressão do currículo da promotora do caso Marielle, Ramagem disse que a PF precisava esclarecer quem imprimiu o documento.
— Quando chegou a mim a questão da Marielle eu fiquei: “como é possível?”. Aí eu verifiquei que não tem nada a ver com o sistema. É o currículo da promotora e parece que é uma informação que circulou aí. A inteligência é a coleta de dados e de informações. Se tem um servidor, e eu não sei quem acessou, tem que verificar, Polícia Federal, quem alimentou e quem é a pessoa que colocou o currículo da promotora. E perguntar a essa pessoa o porquê — afirmou Ramagem em entrevista à GloboNews.