O governo Jair Bolsonaro avalia permitir subir ou baixar preços de medicamentos a qualquer momento, de forma excepcional, em vez de só aplicar reajustes anuais.
A equipe de Paulo Guedes (Economia), porém, resiste à ideia, que é discutida em ao menos duas frentes: propostas de MP (medida provisória) e de resolução da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos).
Por trás da resistência da equipe econômica está o temor de que futuros governos decidam pelo corte nos preços de medicamentos com fins políticos, em uma tentativa de beneficiar consumidores. A avaliação é que a proposta é muito aberta, deixando nas mãos do Executivo um grande poder de intervenção no mercado.
Já os integrantes do governo favoráveis à mudança dizem que a nova regra pode ajudar a recolocar no mercado alguns medicamentos que teriam valores máximos abaixo do praticado no mercado externo –o que dificultaria a oferta dessas drogas no Brasil.
A medida também permitiria evitar o desabastecimento de produtos que sofrem alta variação no preço de fabricação durante alguma crise sanitária ou política. Os preços ainda poderiam cair em casos como de medicamentos que perderem a patente ou ganharem concorrentes no mercado, dizem as mesmas fontes.
Entidades como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) observam com preocupação a possibilidade de aumentar preços em intervalos menores do que um ano.
Em geral, os preços de medicamentos no Brasil têm valores máximos de venda fixados pelo governo, que são reajustados anualmente a partir de um cálculo que considera a inflação, a produtividade da indústria e outros fatores.
Em 2020, o governo decidiu adiar o reajuste no teto do preço de medicamentos por causa da pandemia. O Ministério da Saúde agora sugere uma MP para permitir essas revisões de preço fora de hora.
O governo também discute uma mudança mais ampla da forma de precificar medicamentos, por meio de resolução da Cmed, em que também poderia prever esse tipo de revisão excepcional dos valores máximos dos produtos.
A equipe de Guedes fez duras críticas à proposta de MP. Em reunião do conselho de ministros da Cmed em janeiro, representantes da Economia disseram que a medida abriria margem para revisões “de forma ideológica e arbitrária”.
Também afirmaram ser contra a proposta “por entender que, ao introduzir um alto grau de subjetividade no reajuste de preços, a nova norma geraria insegurança jurídica ao setor”.
O representante da Casa Civil na reunião disse que a proposta ainda estava em análise na área jurídica da Presidência. As manifestações da Economia foram registradas na ata da reunião, obtida pela reportagem.
Não é nova a ideia de permitir que a Cmed mexa nos preços de medicamentos fora do período dos reajustes anuais, que costumam ocorrer em março. Em 2016 o governo Michel Temer (MDB) apresentou uma MP nessa linha, mas o texto caducou.
Ainda hoje funcionários do Ministério da Saúde tentam contornar limites de preço para a compra de alguns medicamentos, como a imunoglobulina, feita à base de sangue. Sem oferta no mercado brasileiro, o governo tem comprado para o SUS de forma excepcional frascos de marca não registrada no Brasil.
Além da mudança na forma de reajuste, o governo tem disputas sobre reforçar a regulamentação do setor ou afrouxar as regras e deixar que o mercado dite os preços.
Uma das ideias é transferir da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a Economia a secretaria-executiva da Cmed.
O debate mais sólido para mexer nas regras de precificação de medicamentos trata da proposta de resolução da Cmed que foi levada a consulta pública em 2021 pela Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade).
Essa discussão envolve integrantes da Saúde, Justiça, Economia e Casa Civil. Uma nova minuta de resolução deve ainda passar por análise de impacto regulatório. Segundo integrantes do governo que acompanham a discussão, a tendência é que o processo se prolongue até o fim do ano.
Em nota, a pasta de Guedes disse que a proposta de resolução “não tem concordância integral da Economia”. “A minuta ali apresentada não foi elaborada exclusivamente por este ministério e contém propostas de todos os membros que compõem a Cmed.”
Procurada, a Saúde afirmou apenas “que a proposta está em análise”.
No debate sobre a nova resolução da Cmed, o Sindusfarma apontou que as regras de precificação são atrasadas. “O maior exemplo é o absurdo de não reconhecer uma terapia avançada ou gênica como inovadora”, disse a entidade no processo, em maio de 2021.
Advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete afirma que é positiva a possibilidade de reduzir os preços de medicamentos fora da janela de revisão anual, mas que a ideia de aumento excepcional é preocupante. “Acende ao consumidor a lembrança amarga da hiperinflação.”