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50% da caatinga foi desmatada e espécies podem ser extintas

O estudo das "Áreas Prioritárias de Restauração da Caatinga" foi realizado entre 2014 e 2021 e publicado no início de março deste ano na revista científica Journal of Applied Ecology.

Pesquisadores brasileiros das universidades federais do Rio Grande do Norte, do ABC (UFABC) e da USP (Universidade de São Paulo) se uniram em um trabalho para mapear a caatinga, bioma exclusivamente brasileiro que já conta com 13% de sua área em estado de desertificação, segundo associação.

A falta de políticas públicas eficientes e as mudanças climáticas aceleram a degradação do bioma, que pode ver mais de uma centena de espécies ameaçadas de extinção sumirem do mapa em curto espaço de tempo.

“A proposta de fazer o mapeamento das áreas prioritárias de restauração da caatinga surgiu quando coordenei o exercício para definir as áreas de conservação, junto ao Ministério do Meio Ambiente. Sentimos essa necessidade de definir também as áreas prioritárias de restauração”, diz Carlos Roberto Fonseca, professor associado do Departamento de Ecologia da UFRN e coautor do estudo.

De acordo com o professor, para definir as áreas prioritárias de atenção o bioma foi dividido em cerca de 10 mil microbacias, classificando-as em três critérios: o valor de cada uma dessas microbacias para conservação da biodiversidade de plantas ameaçadas, a quantidade de cobertura vegetal em cada uma dessas microbacias e a importância de cada uma delas para a conectividade da paisagem.

Segundo o levantamento, 939 das bacias da caatinga são consideradas de alta prioridade para restauração. E 86 foram consideradas de prioridade máxima para restauração.

“Na caatinga existem, na verdade, 350 espécies ameaçadas de extinção, segundo o livro vermelho das espécies ameaçadas do Brasil. Cada bacia pode ter nenhuma espécie ameaçada ou até mais de uma centena”, explica Fonseca.

“Para se ter uma ideia, uma única microbacia tem 106 espécies ameaçadas. Essas microbacias já estão desmatadas. Se não restaurarmos, essas espécies vão desaparecer.”

O estudo também aponta que 50% de área da caatinga foi desmatada. Mas, a “boa notícia”, segundo a pesquisadora Marina Antongiovanni da Fonseca, especialista em análises de paisagens e conservação de florestas tropicais da UFRN, e que também participou da pesquisa, ainda há os outros 50%.

Por outro lado, a caatinga é uma região muito recortada, o que possibilita a fácil entrada. “Ela é muito acessível às perturbações antrópicas [provocadas pela ação do homem] crônicas. Quando se fala de desmatamento, é uma perturbação aguda. Desmatou e acabou. A perturbação crônica é mais silenciosa, menos visível a olho nu. No interior daquela área remanescente está tendo exploração, pisoteio de plântulas [plantas ainda pequenas], caça, coisas que a gente não enxerga sem um estudo de campo mais detalhado.”

Marina cita a criação de gado com um exemplo do fácil acesso ao bioma. “Ele começa a pisotear, defecar, e isso tudo prejudica a regeneração e manutenção das espécies nessas áreas de caatinga”, diz a pesquisadora.

“Por outro lado, o homem também acessa muito facilmente. Ele consegue caçar em grandes distâncias para dentro dessas áreas remanescentes. Se puder recomendar ações para diminuir a chance de perda de espécies nativas na caatinga, uma delas é prestar atenção nesses distúrbios antrópicos, que são mais silenciosos, e conseguir entender como isso está prejudicando a fauna e a flora local.”

O próximo passo, segundo os pesquisadores, é que os governos federal, estaduais e municipais elaborem ações, como por exemplo a criação de unidades de conservação de uso sustentável ou de proteção integral.

“O governo federal deveria também ter programas de restauração para assegurar não só a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos, a qualidade da água, a qualidade do ar, serviços de polinização, etc. Deveríamos estar vendo ações nesse sentido”, diz Fonseca.

O pesquisador diz que hoje está mais “fácil” restaurar a caatinga e que já existem projetos que estão dando bons resultados.
Um dos trabalhos é desenvolvido pela professora Gislene Ganade, do departamento de ecologia da UFRN. Ele consiste em colocar mudas em tubos de PVC, que permitem que a raiz desenvolva até um metro de profundidade. Isso, de acordo com a pesquisadora Marina Fonseca, garante que a planta consiga sobreviver em uma condição adversa.

A caatinga engloba os nove estados do Nordeste e uma faixa no norte de Minas Gerais. De acordo com a Associação Caatinga, são cerca de 28 milhões de pessoas vivendo no semiárido brasileiro.

“Quando comparada a outras regiões semiáridas pelo mundo, é a área mais biodiversa, que tem o maior conjunto de espécies de fauna e flora, inclusive algumas endêmicas, que só acontecem aqui na caatinga”, diz Daniel Fernandes, coordenador geral da associação.

“Essa perda de vegetação, de biodiversidade, acarreta uma série de problemas, entre eles a expansão de áreas em estado avançado de desertificação. Hoje já temos cerca de 13% do território da caatinga em estágio avançado de desertificação.”

Fernandes também destaca as mudanças climáticas como um fator que acelera a degradação da caatinga. Ele aponta que vão ocorrer períodos mais longos de secas.

“As mudanças climáticas afetam diretamente a caatinga. Vamos ter problemas de abastecimento de água, de fertilidade de solo, e isso afeta aspectos econômicos e ambientais como um todo.”

BIOMA DEIXADO DE LADO

Para os pesquisadores, a caatinga é deixada de lado quando se trata de políticas públicas. Os principais problemas passam pela falta de investimento, negação e fiscalização ineficiente.

“Tivemos grandes retrocessos nos últimos anos. Primeiro essa negação de dados supertransparentes oficiais, que até então eram considerados dados oficiais, com muita credibilidade no mundo todo. Essa campanha de desmerecer esses dados é péssima. Depois, o afrouxamento da fiscalização e o desaparelhamento dos órgãos de fiscalização e conservação, como Ibama e CNBio”, diz Marina Fonseca.

O pesquisador Carlos Roberto Fonseca compara a atenção dada à caatinga com a Amazônia, por exemplo, que pode ser avaliada em tempo real por meio de satélites. Com a caatinga existe a necessidade de usar as bases oficiais do Ministério do Meio Ambiente, que não são tão atuais.

Para Daniel Fernandes, a ausência de políticas públicas e a atuação do poder público afeta diretamente na degradação da caatinga. “A partir do momento que o poder público e as autoridades enxergarem o potencial que nosso país tem, no tocante ao desenvolvimento sustentável, teremos todas as condições para nos transformar em uma potência global a partir da conservação da natureza.”

No Rio Grande do Norte, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos diz que está formulando políticas ambientais, envolvendo a criação do Decreto de criação de RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural), bem como projetos de recuperação de nascentes.

“O governo está sendo criado o programa RN + Verde, que alinha o desenvolvimento econômico e o aumento da cobertura vegetal do Rio Grande Do Norte. O programa envolverá o incentivo e apoio na conservação de áreas prioritárias com a recuperação da vegetação nativa em áreas degradadas”, diz Robson Henrique, coordenador da pasta.

Fonte: Folha de São `Paulo

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