Notícias

As conquistas da população LGBTQIA+ no acesso à cidadania

Neste mês de junho, o g1 realiza uma série de reportagens com temas relacionados à militância de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e demais membros da sigla.

Quase 10 anos após a revolta de Stonewall, no Estados Unidos, ato considerado a origem do Orgulho LGBTQIA+, surge no Brasil, em 1978, o Somos, um grupo de afirmação homossexual considerado pioneiro na defesa de direitos humanos básicos para essa parcela da população. Desde então, muitos outros grupos e organizações surgiram, alguns direitos foram adquiridos e ainda existe barreiras para tê-los respeitados.

“Foram direitos conquistados através de muita luta, muito esforço dos movimentos sociais e é importante porque isso faz parte da nossa cidadania e dignidade”, declarou Carmem Ribeiro, advogada do Matizes, grupo que defende direitos LGBTQIA+ no Piauí há cerca de 20 anos.

Uma das primeiras conquistas do movimento foi em 1985, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) retirou a homossexualidade do catálogo de doenças. Poucos anos depois, em 1988, a nova Constituição Federal também assegurou, ainda que de forma indireta, alguns direitos aos LGBTQIA+.

Isso porque o documento assegura direitos fundamentais a todos os cidadãos brasileiros, como dignidade, liberdade e igualdade. Além de direitos civis, políticos, à vida, educação, saúde, trabalho e lazer.

Alguns anos mais tarde, três programas nacionais de Direitos Humanos, lançados em 1996, 2002 e 2010, também foram avanços nessa área.

Saúde

Em 2011, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, com objetivo de promover a saúde integral dessa população, tentando eliminar a discriminação e o preconceito institucional e contribuir para a redução de desigualdades.

“Essa política foi fruto de grande movimentação e pressão do movimento, na luta por garantia de direitos, já que se entende que orientação sexual e identidade de gênero são determinantes sociais de saúde, então precisa se pensar em uma política específica de cuidado”, explicou o psicólogo Breno Ferreira, que é doutor em saúde coletiva.

Contudo, LGBTQIA+ ainda sofrem com estigmas e receios no acesso à saúde.

Casamento e outros direitos

Foto: Reprodução

O casamento homoafetivo se tornou uma realidade quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar, em 2011. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento.

Contudo, ainda não existe uma legislação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que, preocupa parte do movimento, que acha que uma lei voltada para isso daria mais segurança jurídica aos casais.

Foto: Reprodução

Em 2018, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, o STF reconheceu o direito à alteração de nome e gênero no registro civil sem a necessidade de procedimento cirúrgico para redesignação de sexo e de ação judicial.

Porém, a coordenadora geral do Grupo Piauiense de Transexuais e Travestis (GPTRANS), Maria Laura dos Reis, disse ao g1 que mesmo com o direito garantido essa parte da população ainda encontra obstáculos ao tentar obtê-lo.

“Embora, seja lei, normativas internas de alguns órgãos públicos, continua sendo muito complicado garantir que as pessoas trans tenham o direito fundamental de usar o nome que se reconhece. Esbarramos muito falta de sensibilidade de muitos profissionais das mais variadas áreas, isso impacta diretamente no respeito a dignidade das pessoas travestis e transexuais”, declarou.

Maria Laura afirmou que a falta de difusão desse direito é um dos fatores que dificulta o acesso. “Não existe uma divulgação massiva de que existem, desta forma implicando na efetividade dos serviços. Falta campanhas e a vinculação das políticas públicas para promoção e defesa dessa população em espaços de mídia”, explicou.

A militante acredita que uma punição mais severa para quem descumprir as legislações asseguram cidadania a essa população seria uma forma de combater o preconceito e a discriminação institucionais.

“Na maioria das vezes, quando acontece a violação desses direitos, a vítima não denuncia mais, pois tem a sensação de que não vai dar em nada, apenas medicações de conflitos e que pouco tempo depois voltam a acontecer novamente”, pontuou.

Para a coordenadora do GPTRANS, devem ser traçadas estratégias para o fortalecimento dessas legislações e criadas novas leis com penalidades mais rigorosas quando se tratar de casos de LGBTfobia.

Em 2019, também por ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo decretou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, com base na Lei nº 7.716/1989, até que uma lei específica que trate sobre a homofobia e transfobia seja elaborada.

A conquista mais recente aconteceu em 2020, quando, no julgamento de outra ação direta de inconstitucionalidade, o STF reconheceu que homens bissexuais e homossexuais podem doar sangue a terceiros no Brasil, eliminando a restrição que existia no país desde 1991.

A proibição existia devido a uma ideia preconceituosa de que esses indivíduos estariam mais propensos a portarem infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Respeito aos direitos

Foto: Reprodução

Para o movimento, a conquista dos direitos é algo a ser comemorado, mas não é o fim da luta por cidadania. “As barreiras existem. Lidamos com uma LGBTfobia institucional, que faz com que ainda encontremos dificuldade para real implementação desses direitos”, disse Carmen Ribeiro.

A advogada citou um caso recente denunciado ao Matizes em que uma mulher trans denunciou um servidor do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) por transfobia. “Sempre recebemos denuncias assim, acompanhamos e damos o suporte às vítimas”, afirmou.

“Só a existência de leis não é suficiente, é necessário ações educativas com toda a comunidade, no sentido de desconstruir preconceitos e ampliar o dialogo com os entes públicos e comunidade em geral a respeito dos direitos dos LGBTs”, completou Carmen.

A representante jurídica do Matizes mencionou ainda um receio do movimento com relação a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que daria ao Congresso o poder de revogar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque muitos dos direitos foram adquiridos através de decisões do órgão.

“Esse é o maior desafio atualmente, manter esses direitos. Estamos vivendo tempos sombrios, como, por exemplo, com a tramitação dessa proposta que visa anular decisões do STF. Isso é muito perigoso para nós”, declarou.

Fonte: g1piauí.com

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo