A angústia e a dúvida tomaram conta da empresária Thamires Terto por meses, antes que ela entendesse a violência que havia sofrido no momento de dar à luz Clarisse, hoje com 8 anos: violência obstétrica. “Procuro um psicólogo ou um advogado?”, foi a dúvida que surgiu assim que ela decidiu procurar ajuda. Ela buscou os dois. Fez terapia, entrou na Justiça e venceu o processo contra a maternidade onde ela pariu a filha no corredor do centro cirúrgico, praticamente sem auxílio.
Thamires contou ao g1 que, no dia 5 de janeiro de 2014, deu entrada em uma maternidade particular de Teresina sentindo as dores normais do trabalho de parto. Ela não era mãe de primeira viagem, então já sabia: seu parto provavelmente seria rápido, porque o do primeiro filho tinha sido. Ela avisou isso à equipe que a atendeu, sabendo que a filha poderia nascer a qualquer minuto.
O médico que a atendeu viu a evolução do trabalho de parto, quando a bolsa rompeu e saiu. Ela não disse nada, pois acreditava que o médico a encaminharia imediatamente para o Centro Cirúrgico, onde teria a filha de parto normal, mas com o acompanhamento do médico plantonista e da equipe de enfermagem.
“Mas não foi o que aconteceu. Ele disse: ‘vou ali’. Foram aumentando as contrações e a auxiliar de enfermagem disse que não me iria deixar daquele jeito. Ela chamou um maqueiro, que não veio, então ela mesma me empurrou na maca. Então eu senti a menina coroando [quando a cabeça do bebê surge no canal vaginal]”, contou.
O momento de maior apreensão veio a seguir: a mãe de Thamires foi impedida de entrar com ela no corredor do Centro Cirúrgico. E ali mesmo Clarisse nasceu. O local sequer estava preparado para receber a parturiente.
“Fiquei muito tensa nessa hora. Senti a pressão, botei força, e desceu a cabeça dela. Eu gritei: ‘minha filha tá nascendo’, aí duas enfermeiras me ajudaram e ela nasceu no corredor. Depois de uns 20 minutos o médico apareceu, não disse nada, não pediu desculpas, entrou mudo e saiu calado. Perguntou horário do nascimento, essas questões técnicas”, lembrou.
No hospital, pela velocidade do parto, ela ficou conhecida naquele dia como “parideira”. A brincadeira acabou ocultando, por meses, a realidade do que ela havia vivido: uma violência.
Apesar da situação angustiante e de medo, ela disse que não se deu conta do que havia acontecido até conversar com outras pessoas sobre como tinha dado à luz.
“Depois, contando a história, foi caindo a ficha de que não foi legal, foi muito tenso. Eu ficava olhando pra ela [filha], pra ver se ela não tinha tido nada, caindo na maca. Os meses passaram e fiquei com aquilo. E com seis meses dela, eu pensei: ‘não aguento mais ser invadida por esse pensamento. O que aconteceu não foi legal, mas procuro uma psicóloga ou um advogado?’. Na dúvida, procurei um advogado, e depois fiz terapia”, disse.
Processo judicial
Ela entrou com uma ação contra o médico e a maternidade, mas a unidade de saúde assumiu a responsabilidade. Nas audiências, o médico pediu desculpas e lamentou o ocorrido. Ela disse que sentiu sinceridade nas palavras e desistiu de representar contra o profissional.
A maternidade arcou com os custos do parto, que foram ressarcidos à vítima, além de ter pagado uma indenização por danos morais.
Ela contou que a intenção do processo não era punitiva, mas principalmente para que isso não acontecesse com outras mulheres. Para ela, o médico “aprendeu a lição”.
“Hoje sou tranquila para sobre falar disso, mas foi complicado tanto o momento que passei quanto o processo. Mas passou, graças a Deus. E eu digo que minha filha é forte desde o nascimento dela. Hoje ela tem um déficit de atenção, e com o neuropediatra que acompanha ela, falei sobre o parto e estamos investigando se pode ter alguma reação. Tudo foi bem tenso, bem complicado e não desejo pra ninguém. Felizmente não houve nada de grave”.
Como identificar?
Existem diversas formas de o serviço de saúde ser prejudicial à mulher durante a gestação ou no puerpério, desde intimidação ou agressão verbal ao negligenciamento de tratamentos.
Procedimentos desnecessários ou não autorizados pela gestante também se encaixam no quadro de violência obstétrica. A paciente não pode ser desrespeitada ou não informada sobre quaisquer procedimentos. Entre os exemplos:
· Abusos físico, sexual ou verbal;
· Discriminação por idade, raça, classe social ou condições médicas;
· Más condições do sistema de saúde, como falta de recursos;
· Recusa na oferta de tratamentos à gestante ou ao bebê;
· Não informar a paciente sobre procedimentos ou desrespeitar a decisão dela.
Fonte: g1piauí