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Visita do Papa João Paulo II à Teresina completa 40 anos nesta quarta-feira; relembre o discurso

O responsável por sua escala em Teresina foi o embaixador do Brasil no Vaticano, Espedito Rezende, piauiense de Piripiri

Em 8 de julho de 1980, o Papa João Paulo II desembarcava em Teresina. A data completará 40 anos daqui dois dias e ainda é relembrada por conta das deficiências sociais que pairavam sobre a sociedade teresinense à época.

O papa João Paulo II esteve no Piauí durante sua primeira visita ao país. O responsável por sua escala em Teresina foi o embaixador do Brasil no Vaticano, Espedito Rezende, piauiense de Piripiri.

O que chamou bastante atenção durante a visita foi uma faixa que apareceu em destaque com os dizeres “Santo Padre: o povo passa fome”. Ela foi pensada e confeccionada por Raimunda Reis, Hortência Mendes, Antônio Carlos, Edmílson e o padre Costinha, orientador da Pastoral da Juventude da época. 

Na época, a população de Teresina passava por muitas necessidades e os ditadores, sequer, deixavam tocar no assunto. Antônio Carlos e outro homem identificado como Mosquito foram presos por utilizarem a faixa.

Leia abaixo a íntegra do discurso do Papa João Paulo II no Aeroporto de Teresina.

Foto: Arquivo Pessoal

 

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

(30 DE JUNHO – 12 DE JULHO DE 1980)

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II 

ÀS AUTORIDADES E AO POVO DO PIAUÍ

Aeroporto de Teresina, 8 de Julho de 1980 

Veneráveis Irmãos no Episcopado,

Excelentíssimas Autoridades,

Amados filhos e filhas do Piauí e dos Estados vizinhos

1. As circunstâncias exigem que seja breve este nosso encontro, mas vós o tornais particularmente intenso. Intenso nos sentimentos de afeto filial, de alegria e entusiasmo que me estais manifestando. Intenso na emoção, contentamento e gratidão que crescem dentro de mim. Por minha parte não tenho porque esconder esses sentimentos e vos digo logo que vos considero filhos muito queridos e me sinto felicíssimo por estar, por uns momentos que seja, entre vós.

2. Conheço a sinceridade e a seriedade da vossa fé católica. Acolho pois a homenagem que me tributais como dirigida ao Apóstolo do qual sou humilde Sucessor e que ouviu dos lábios de Nosso Senhor as tremendas e significativas palavras: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”(Mt 16,18); como dirigida ao próprio Jesus Cristo do qual sou indigno Vigário à frente de sua Igreja.

3. Minha missão como Pastor da Igreja Universal, vós o sabeis, é de anunciar aos homens de nosso tempo a Boa Nova da salvação da qual a mesma Igreja é depositária. É uma mensagem de paz e de esperança, de justiça e de fraternidade, de solidariedade e de amor. Mas essa mensagem se revelaria bem depressa vazia e inconsistente se ela não proclamasse afinal que só no Senhor Jesus se realiza a Salvação definitiva, pois a não ser n’Ele, a paz e a esperança, a justiça e a fraternidade, a solidariedade e o amor correm o perigo de perder o próprio conteúdo e de voltar-se contra o homem. É bem verdade o que diz um importante documento do Concílio Vaticano II: que o homem é para si mesmo uma pergunta sem resposta, que só Deus dá resposta às questões do homem (Gaudium et Spes, 21) e que “só no mistério do Verbo Encarnado se ilumina o mistério do homem”(Gaudium et Spes, 22). Para os problemas fundamentais do homem, suas incertezas e angústias, suas interrogações e suas buscas, a Igreja tem uma via Ninguém é obrigado a abraçar e seguir essa via, mas é meu dever apontá-la e propô-la Eu vos agradeço por saberdes ver em mim principalmente isso: o mensageiro da salvação em Jesus Cristo.

4. Sei, por sua peculiar situação geográfica e pelas condições climatéricas, que este vosso Estado padece de modo crônico o flagelo da seca. Esta é, entre outras várias e complexas, uma das razões pelas quais ele se encontra entre os menos favorecidos e desprovidos do Brasil. Vós conheceis o drama da emigração em busca de melhores condições com os indescritíveis sacrifícios, as dolorosas situações humanas, pessoais e familiares, os desequilíbrios, o desenraizamento que esta emigração costuma produzir. (Quem sabe se muitos dos que aqui estão já foram alguma vez retirantes). Vós experimentais em muitas de vossas casas as agruras da subalimentação, da doença, das mortes prematuras.

5. Em minha passagem entre vós eu quisera ser um pálido, mas autêntico reflexo do próprio Senhor Jesus que passou Ele também entre os homens atento a todos, sem discriminações ou exclusivismos, porque portador de uma mensagem de salvação para todos, mas solícito especialmente pelos pobres e pequenos, pelos sofredores.

Àqueles de entre vós que pudestes conquistar os bens espirituais do saber, que dispondes de posses materiais, de conforto e bem-estar, que num ou noutro setor ocupais postos de decisão, não posso silenciar um pedido que vem do coração: assumir plenamente, sem reserva e sem retorno, a causa de vossos irmãos que se debatem na pobreza. Esta é frequentemente tão deprimente e paralisante que é impossível reerguer-se e fugir dela só com as próprias forças. Não haja nenhum (Jo 5,7), em meio à massa dos pobres desta região, que possa dizer, pensando em irmãos mais favorecidos, a frase cortante do paralítico do Evangelho: “Eu não tenho ninguém”, ninguém que me ponha de pé e me faça caminhar. Quem dera que os poderes públicos deste Estado, de mãos dadas com todas as forças vivas no domínio da iniciativa privada, com a ajuda específica da Igreja, dêm por fim aos pobres as possibilidades de escapar ao círculo da pobreza para aceder ao mais-ser almejado por meus predecessores, sobretudo João XXIII e Paulo VI.

Aos outros, oprimidos pela pobreza, quero dizer antes de tudo uma palavra de conforto: que se sintam amados e estimados pela Igreja e, na Igreja, em modo especial pelo Papa, assim como os ama e estima o próprio Jesus, Filho de Deus, o qual, ao estabelecer as bases do Seu reino neste mundo, não hesitou em proclamar “Bem-aventurados” os que têm um coração de pobre (cf. Mt 5,3).

Mas também uma palavra de esperança: não se deixem abater ou destruir pelas condições atuais mas conservem sempre acesa a esperança de um amanhã melhor. E sobretudo uma palavra de estímulo: certos da ajuda de muitos irmãos, mas sem abdicar das próprias capacidades, façam tudo para superar a má pobreza e seu cortejo de malignidades, não para aspirar à riqueza da iniquidade, mas à dignidade de filhos de Deus.

6. E agora meus votos para vós, querido Piauí e piauienses: que desponte bem depressa para vós a aurora do desenvolvimento integral que, de certo modo já se anuncia. Que venha o progresso, não o que ameaça sufocar o homem, mas o que eleva e dignifica este homem. Não o que corre o risco de aumentar as injustiças mas o que instaura e consolida a justiça. Que, superada toda forma de isolamento, vossa terra venha a inserir-se nos benefícios de uma comunidade política, social e economicamente bem qualificada. Que, eliminados os desequilíbrios, gozeis dos frutos da equidade.

7. Com vossa têmpera forte e caráter provado, sei que não vos iludis pensando que a luta contra as inclemências do clima e das condições sociais seja fácil: é árdua e por vezes ingrata. Os menos aguerridos perdem o animo. Desejo e espero que o esforço convergente de muitos vos ajude a vencer os obstáculos. É para vós de uma forma ao mesmo tempo patética, desafiadora e estimulante, a palavra do Senhor: “Dominai a terra” (Gen 1, 28).

8. Vossa fé e piedade sejam um novo impulso no vosso esforço em vista de um pleno desenvolvimento. Esta fé nos diz que não é vontade de Deus que seus filhos vivam uma vida sub-humana. Vontade de Deus é que cada homem atinja o melhor possível sua plena estatura humana. Voltai-vos pois para Ele, pai bom e providente (cf. Mt 6,25 e 7,11), para buscar n’Ele não um álibi à inércia e à passividade, mas a coragem para continuar vossos esforços. Aquele que na sua Providência faz crescer a erva do campo e alimenta as aves do céu (cf. Mt 6, 25) não dispensa as providências do homem e seu trabalho, antes os associa constantemente ao mistério da criação. É dever do homem recorrer a medidas concretas e eficazes para a promoção e o desenvolvimento solidário de todos. A solidariedade que deve cada vez mais substituir as ideologias do egoísmo, da prepotência e do interesse de pessoas e grupos, levará todos quantos têm uma parcela de responsabilidade político-social a ir ao encontro dos que necessitam de ajuda. Esta solidariedade, valiosa já no plano humano, cresce no plano cristão ao considerar que todos os homens são iguais aos olhos de Deus: filhos deste Deus (Jo 3,2) a Quem chamam de Pai (Gal 4,6) e portanto irmãos uns dos outros, Deus os ama tanto que não recusou entregar seu Filho único para que não pereçam, mas tenham a vida eterna (Jo 3,16).

9. Queridos filhos, vós sois estes filhos de Deus por Ele amados com um amor sem limites. Encorajados por este amor, ponde em ação todas as energias em vista de vosso próprio crescimento sem ódio, sem inúteis e estéreis ressentimentos, sem a violência que não constrói mas com audácia e generosidade. Estou certo de que podeis contar, neste sentido, com a leal colaboração desta Igreja da qual fazeis parte ativa vós mesmos.

Piauí!

Homens do Estado do Piauí, ao serviço de quem se acham as várias estruturas a diversos níveis, nas quais vos inseris: conservai um “coração de pobre”, para acolher todo o auxílio que, estou certo, todo o Brasil, todos os estados do Brasil, todos os homens do Brasil, convosco unidos numa única nação, não vos deixarão de dar; o Senhor Jesus, o mesmo que proclamou “bem-aventurados os pobres em espírito”(Mt 5,3), dizia sempre: “vós sois todos irmãos”(Mt 23,8).

10. Agora prossigo minha peregrinação para encontrar outros irmãos vossos. Gostei e gostarei sempre do Piauí. Levo comigo a saudade deste encontro e a lembrança de todos vós. E, exortando-vos a viver como homens e como cristãos na prática do bem (cf. 1Pt 2,15) sob o olhar de Deus e a proteção de Maria Santíssima, nossa Mãe, deixo-vos a minha bênção. De volta a vossos lares aqui em Teresina, no interior do Piauí, no Maranhão e, quem sabe em outros Estados, levai esta bênção do Papa para todas as vossas famílias, especialmente os anciãos, as crianças, os doentes, os que estão na aflição.

“Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, … consolem os vossos corações e os tornem firmes em toda sorte de boas obras”(cf. 2Ts 2,16ss).

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