Saúde

Câncer de intestino: mortalidade cresceu 14,3% em 30 anos no Brasil, diz estudo da Fiocruz

Na América Latina, taxa avançou 20,5% entre 1990 e 2019; pesquisadores destacam alimentação nociva e entraves no acesso a diagnóstico e tratamento.

O câncer de intestino, também conhecido como de cólon ou colorretal, é o terceiro mais comum no Brasil, atrás apenas dos de mama e próstata, segundo números do Instituto Nacional do Câncer (Inca). O órgão estima que foram 45,6 mil novos diagnósticos em 2023, além de 21,3 mil mortes. E o número está aumentando. 

Um estudo conduzido por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), do Inca e da Universidade da Califórnia San Diego, nos Estados Unidos, mostrou que a mortalidade pela doença avançou 20,56% em 30 anos, entre 1990 e 2019, nos países da América Latina – saindo de 9,22 por 100.000 habitantes para 11,11. 

No Brasil, os dados analisados pelo trabalho revelam que a mortalidade do câncer de intestino cresceu 14,3%, de 10,21 para 11,67. Embora o aumento seja inferior ao observado no continente, a taxa é mais alta. No estudo, os pesquisadores destacam que todas as nações tiveram um aumento no período avaliado, à exceção do Uruguai, que viu a taxa cair em 5,1%, embora permaneça com a mais elevada da América Latina, em 26,12. 

Os responsáveis pelo trabalho apontam a disparidade da tendência na região em relação à global. No mundo, citam que a mortalidade aumentou apenas 4,37% no mesmo período (contra 20,56% na América Latina). Além disso, o número mundial subiu puxado justamente pelos países de renda mais baixa – nos de renda alta, houve uma queda, de 23,07%. 

“Esses achados refletem o estilo de vida da população da região, incluindo uma dieta rica em carne vermelha e alimentos processados com impactos desfavoráveis nos indicadores demográficos e epidemiológicos tradicionais, como expectativa de vida ou causas de morte. Outro fator que contribui para as tendências de mortalidade observadas é o envelhecimento da população”, escrevem os pesquisadores no estudo. 

“Além disso, observamos as diferentes estratégias adotadas pelas regiões para o diagnóstico e a triagem do câncer colorretal, e as diferenças parecem influenciar a variação observada entre os países. Poucos países da América Latina desenvolveram diretrizes para a detecção precoce do câncer colorretal, e a adesão é bastante variável”, continuam. 

Outro ponto destacado pelo trabalho é que a realidade dentro da América Latina também é desigual. Os pesquisadores relacionaram a mortalidade com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e observaram que, embora pareça contraintuitivo, aqueles com os indicadores menores têm na realidade uma menor taxa oficial de mortes. 

Citam que isso ocorre pelo subdiagnóstico, devido ao menor acesso aos métodos necessários para identificar o câncer, e à menor exposição a alguns fatores de risco que causam a doença, como o consumo de ultraprocessados e carne vermelha. 

Já nos países de desenvolvimento médio, como o Brasil, a tendência é que a mortalidade cresça, devido ao diagnóstico tardio que reduz a eficácia do tratamento e a sobrevida dos pacientes, e à maior exposição aos fatores de risco ligados à vida moderna. 

Por fim, quando avaliados países de alto IDH, a mortalidade volta a ser mais baixa pela capacidade de identificar a doença precocemente e por uma tendência a padrões alimentares considerados mais saudáveis. 

“É interessante observar que a desigualdade entre os países é tão gritante, que há alguns, como o Uruguai e a Argentina caminhando para um declínio da mortalidade por câncer colorretal. Apesar de ter um alto consumo de carne vermelha, eles conseguem diagnosticar e tratar num tempo oportuno, evitando mortes. Já países da América Central possuem um cenário diferente: a alimentação tem menos risco, mas há subdiagnóstico e pouco acesso a tratamento”, exemplificou um dos autores do trabalho, Raphael Guimarães, pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Ensp/Fiocruz, em comunicado na época da publicação do estudo. 

Ele explica que essa busca por compreender chamados fatores contextuais da mortalidade, como a realidade socioeconômica dos países, tem sido algo cada vez mais comum nos estudos oncológicos. “As pesquisas sobre câncer têm buscado olhar para além dos fatores biológicos, já bastante conhecidos”, disse. 

Além disso, afirma que esse olhar para a América Latina, uma região com tantas disparidades dentro dela, inspirou a realização de um trabalho semelhante sobre o Brasil, que também conta com um cenário de desigualdade nos números de câncer entre estados e municípios. 

“Escolhemos analisar a América Latina justamente pela característica da desigualdade que há entre os países que a compõem. Essa realidade da região como um bloco é semelhante com o que o Brasil tem internamente. Por isso, estamos com outra pesquisa em andamento para replicar o estudo. Preliminarmente, podemos afirmar que há a mesma associação com os fatores socioeconômicos, o mesmo paradoxo entre IDH e mortalidade por câncer colorretal”, antecipou Guimarães no final do ano passado.

Fonte: O Globo

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